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Soltas de pombos-correio e Coordenação de soltas 16/07/2012

 

 

Introdução: Os desastres e acidentes com soltas de pombos-correio sempre existiram. No entanto, tem vindo a verificar-se uma diminuição na frequência destes. Por outro lado, o registar-se menos acidentes não tem sido encarado como factor positivo porque estes têm tido repercussões na imprensa especializada e, acima de tudo, nos columbófilos muito mais elevadas das que se verificavam no passado. A aceitação pacífica que se assistia na década de 70 e 80, por parte dos columbófilos, como sendo uma fatalidade não se verifica nos dias de hoje. Os tempos mudaram. No tempo em que as deslocações para os locais de solta eram feitas pelo caminho-de-ferro, os pombos e columbófilos estavam sujeitos ao tempo que fazia. Não havia hipótese de mudar nem fazer ajustes. Era pombos para o ar. Com o aparecimento dos meios de transporte das associações veio a verificar-se uma melhoria significativa na qualidade dos concursos. Mas é na década de 90, com as novas tecnologias, que se vem generalizar a ausência de acidentes constantes. Assistimos durante estes anos a acidentes e ocasionalmente a desastres que não se conhecem as causas. Depois de 2002, com a introdução do apoio meteorológico directo, elaborou-se relatórios e, de uma maneira geral, foram identificadas as causas em 80% dos acidentes e/ou desastres. Estas foram exclusivamente associadas a elementos meteorológicos.

Elaborou-se estudos do modo como os diversos elementos meteorológicos afectam o voo do pombo-correio, foram publicados, encontram-se expostos na página da FPC e nunca foram colocados em prática. Os últimos desastres enquadram-se nestes estudos e poderiam ter sido evitados se se tivesse tido em atenção ou legislado, em devido tempo, esse conhecimento.

Foram, ao longo dos anos, feitos alertas semanais, bem como nos dias das soltas e, muitas vezes, não foi dada a atenção devida, resultando em acidentes e/ou desastres.

Não existe regulamentação de solta de pombos-correio aprovadas em nenhuma Federação de Columbofilia (Steven Van Breemen).

 

Relação ciência e columbofilia

Apesar dos conhecimentos científicos actuais, verifica-se um “divórcio” entre a comunidade científica e a columbófila porque continuam a existir concursos catastróficos e a comunidade científica não consegue dizer se as condições de um determinado dia são ou não favoráveis ao regresso dos pombos a casa. É razoável, ou aceitável, questionarmo-nos sobre as causas deste “divórcio”:

 

1. Não existe, ainda, conhecimento do modo como o pombo-correio se orienta;

2. Os trabalhos realizados não são do conhecimento dos columbófilos ou da estrutura columbófila: Normalmente são todos em Inglês. Os que existem, na língua materna, são tidos como interessantes e não se aplicam;

3. Os cientistas estão “longe” ou desconhecem os problemas da columbofilia: porque efectuam experiências laboratoriais, analisando elemento a elemento que nem sempre interagem com o desporto Columbófilo. (...) Os concursos com pombos correio não representam um exercício de orientação, porque, na grande maioria dos concursos, os pombos voam na mesma linha e em “massa” (...) (Hans Wallraff).

4. Os desastres nem sempre se devem a elementos estudados na orientação, mas sim a factores ou causas naturais diversas: Se a orientação é vital durante os concursos, a desorientação ou desastre pode ser imputável aos columbófilos, em sentido lato, à qualidade dos transportes e às condições climatéricas.

 

Se conhecêssemos objectivamente as causas das catástrofes, através do conhecimento dos mecanismos pela qual se rege a orientação do pombo-correio, seria fácil dizer: hoje existem ou não existem condições para efectuar provas com pombos-correio. Não sendo assim, resta pois compilar dados técnicos em dias de incidentes/acidentes ou catástrofes para que, no futuro, quando houver elementos comuns se possa tirar conclusões que possam minimizar estes acontecimentos e, por outro lado, recolher elementos e experiências que possam, de algum modo, ajudar a comunidade cientifica a resolver um problema que é nosso e que, de alguma maneira, nos colocamos num pedestal aguardando que outros, que nada têm a ver com este desporto, resolvam.

 

 

Coordenação das soltas

Coordenar, implica dispor em certa ordem ou segundo certas normas ou métodos; organizar com o fim de atingir um objectivo.

A ordem de solta de pombos-correio, não é por si só uma ordem em sentido restrito. Ela reveste-se de conhecimento genérico e específico de determinadas ciências. Na falta de conhecimento científico, a experiência tem dados bons resultados, não invalidando o estudo e preparação da solta, como simples acto da coordenação. Os mais dedicados são os que mais se aproximam da perfeição. Se tiverem um acidente por certo qualquer outro o teria. Apesar do conhecimento científico actual a orientação do pombo ainda é um mistério e há elementos que escapam a qualquer coordenador por melhor que ele seja.

O coordenador, na sua função, deve estar atento às previsões atmosféricas, às condições de transporte alimentação e abeberamento, estudar alternativas perante situações adversas. Ter conhecimento da orografia da rota de regresso dos pombos e do local de solta. Estudar as outras soltas e rotas. Dialogar com outros coordenadores. Trata-se de um trabalho de equipa e acima de tudo, de preparar a táctica semanal de modo a cumprir a missão: facilitar o regresso dos pombos a casa em “segurança”, ou pelo menos consciente de que se fez tudo para que isso acontecesse. Nesta fase da missão do coordenador ele tem que defender, forçosamente, o pombo-correio e não ouvir sequer os columbófilos, porque estes, na sua grande maioria, estão sobre o “efeito da competição”.

O coordenador deve ser ouvido no planeamento dos calendários. A marcação de locais de solta com o “bico do lápis” aliado ao espírito competitivo gera, por vezes, grandes dificuldades que são conhecidas pelos acidentes que têm produzido ao longo dos anos. Estes problemas habituais podem ser minimizados quando o coordenador faz a intercepção entre conhecimento adquirido, nas campanhas anteriores, e o conhecimento científico, com as necessidades do presente, facilitando, deste modo, o regresso dos pombos a casa. O pombo foi criado para competir dentro das suas possibilidades físicas e psicológicas e não para ser exposto, constantemente, a condições extremas. Para essas, “existem”, ou devem ser criadas, provas específicas.

Todo este trabalho preparativo culmina com a ordem de solta. Dado irreversível depois do qual só se pode aguardar pelo resultado.

O coordenador não deve estar à mercê de uma determinada politica administrativa ou desportiva mas sim levar a cabo, dentro de determinados limites, essas políticas. A sustentabilidade de frotas e pombais com um número exagerado de provas e treinos em detrimento da qualidade quer do transporte quer dos pombos, não pode por em causa a atitude do coordenador. Este tem que se distanciar das politicas associativas e/ou futuras dificuldades com os calendários e concentrar-se no objectivo: tentar evitar acidente e/ou desastres no regresso dos pombos a “casa”. Tem que “vestir a pele” de árbitro, mas neste caso parcial e a favor do pombo-correio porque por um lado temos as associações e por outro os columbófilos. Apesar de em sentido lato, e à primeira vista, ser a mesma coisa estes dois elementos têm vinculados objectivos diferentes: as associações que além de defender os pombos e a competição têm que defender economicamente a estrutura; os columbófilos uns querem competir a qualquer “custo” e outros querem competir em segurança e ter os pombos de volta.

Ser coordenador de solta é, ser a “peça” fundamental da engrenagem columbófila. “Peça” esta que é sujeita a grande desgaste físico e acima de tudo psicológico. Uma peça fundamental em qualquer “estrutura” é preservada, apoiada e mantida em melhores condições que as restantes. No que concerne especificamente à columbofilia esta “peça” não pode mudar quando muda uma direcção, trocando o conhecimento e a experiência pelo desconhecido. A defesa do pombo e dos columbófilos deve falar mais alto que os interesses e politicas do Homem.

A rotação a que assistimos dos coordenadores e delegados de solta, nas Associações, em nada favorece o desenvolvimento da columbofilia nem a protecção do pombo-correio.

Um coordenador tem que ter, forçosamente, uma personalidade muito forte porque: se cancela uma prova tem columbófilos contra, se a reduz, tem columbófilos contra, se altera o local de solta, tem columbófilos contra, se a prova é difícil, tem columbófilos contra, se é rápida, tem columbófilos contra, ou seja: em competição existe permanentemente insatisfação. Até há aqueles que numa prova de segundo dia, porque não têm pombos, deitam abaixo o coordenador, mas no outro dia, pela manhã, recebem quatro ou cinco, marcam bem e lá estão eles a dizer o melhor do coordenador. Esta é a vivência columbófila e ninguém a pode alterar. A alterar que seja o conhecimento e o discernimento nas tomadas de decisão.

Urge pois: preparar coordenadores, esclarecer os columbófilos das tomadas de decisão e legislar sobre as soltas de pombos-correio, responsabilizando e defendendo simultaneamente o poder de decisão.

A ideia de formação de coordenadores e delegados de solta conforme a FPC tem efectuado tem sido uma mais valia, que algumas associações têm desperdiçado com as trocas constantes de coordenadores e delegados de solta. A justificar esta ideia temos a prova de que os coordenadores com menos acidentes, nos últimos anos, têm sido aqueles que há mais tempo coordenam. Ninguém, pelo facto de ter vontade ou ser nomeado, só por si, tem capacidade de coordenar uma solta. Como diz o velho ditado: “o hábito faz o monge”. Alguns dos acidentes nos últimos anos, aconteceram com coordenadores inexperientes ou quando a ordem de solta foi dada ou influenciada por um elemento da direcção da associação que nunca o tinha feito, interferindo no “sistema” ou, por ligeireza de análise. A falta de experiência e de preparação é quase sempre “tiro e queda”. Mesmo alguns dos coordenadores de reconhecido mérito na actualidade tiveram, no passado, desastres. A experiência actual destes coordenadores é fundamentada num conhecimento de experiência feito que ainda dão bons resultados nos dias de hoje. No entanto, aquilo que se pretende é evitar que se aprenda à custa dos acidentes e/ou desastres como eles aprenderam. A columbofilia e os columbófilos de hoje assim o exigem. Com base no conhecimento actual da ciência e da experiência destes coordenadores urge pois, formar e credenciar columbófilos para que possam ser futuros coordenadores de soltas de pombos-correio, criando um esquema de formação contínua, para os actuais e para os futuros coordenadores.

O conhecimento não pode ser guardado por um qualquer coordenador de modo a retirar dividendos dele, colocando o seu distrito acima de outro ou mesmo para “melhorar” a sua posição ou visibilidade relativa a nível distrital e/ou Nacional. A columbofilia deve ser vista como um todo e não como uma “guerra” entre distritos. A formação humana e o amor pela columbofilia “obriga” a que se transmita esse conhecimento e que se trabalhe com espírito de grupo a bem do pombo-correio, do interesse da columbofilia e dos columbófilos.

Outra solução, talvez temporária, seria a criação de um “Centro Nacional de Apoio às Soltas” ou outro, o nome pouco interessa, tal como existe em vários países. Esta solução, colocaria o poder decisório em poucas mãos, por ventura mais experientes e mais conhecedoras, transportando as dúvidas e riscos dos delegados e coordenadores de solta para uma hierarquia superior, minimizando o problema a nível local, mas não o resolvendo na sua totalidade. O surgimento deste “Centro” só poderia funcionar se os conselhos técnicos das associações tivessem uma dependência funcional deste, de modo a haver uma uniformização na qualidade dos transportes, da coordenação das soltas e dos campeonatos. Ou seja teria que se criar regras. Esta solução iria “retirar” poder às associações. Ninguém quer perder poder independentemente dos objectivos porque, vivemos numa sociedade individualista em que todos sabemos de tudo: somos todos “expert” em todas as matérias, os objectivos de grupo são coisas do passado, fruto dos exemplos políticos não acreditamos nas pessoas e a hierarquia sólida e confiante “não existe”.

É imperativo dar credibilidade à columbofilia, desmistificando o que quer que seja. As tomadas de decisões passam, forçosamente, pela transparência. Neste sentido, a colocação de imagens do transporte, abeberamentos e soltas “on-line” na Internet vêm dar credibilidade ao “sistema” e tirar de uma vez por todas as dúvidas sobre os delegados de solta e as condições atmosféricas em que os pombos foram soltos. Esta solução é inevitável sendo apenas uma questão de tempo a sua aplicação. O desenvolvimento não tem contemplações pelo conservadorismo. Lá porque no futebol parecesse não haver interesse em visualizar imagens “on-line” por parte dos árbitros ou do “sistema”, como no râguebi para tirar dúvidas, alimentando, deste modo, o mundo do jornalismo e levando a discussões e problemas com os apoiantes dos respectivos clubes, não quer dizer que nós columbófilos e estrutura columbófila concordemos com erros ou com dúvidas. Errar é humano mas se os pudermos evitar ou minimizar estamos no caminho da perfeição e desenvolvimento da estrutura columbófila e, acima de tudo, humana. Qual o preço? O desenvolvimento e a verdade sempre tiveram custos. A situação actual e o modo como se tira proveito dela, com que fim não sabe, está a gerar uma total confusão nos columbófilos porque não sabem de que lado está a “razão”, causando perdas elevadas de columbófilos, fruto de insatisfação e inoperância das estruturas.

Mas todo o problema só poderá ser resolvido com a compreensão da complexidade que é coordenar uma solta e com a colaboração activa dos columbófilos. Ou seja, com a sua participação na Colectividade, Associação e Federação. Não basta encestar pombos e atribuir responsabilidade aos outros pelos transportes, abeberamentos, locais de solta ou até mesmo desastres. É necessário participar activamente, querer saber o porquê das tomadas de decisão, julgar, se for caso disso, com os mesmos dados que o coordenador ou o delegado tinham na hora da tomada de decisão e não com dados à posteriori, criticar construtivamente e apresentar alternativas. Aceitar o cancelamento ou alteração de uma determinada prova a favor do pombo-correio e em detrimento da competição. Acreditar que os responsáveis pela deliberação de soltar estão a fazer o melhor que sabem, são columbófilos e os seus pombos também lá estão. Mas para se ter esta forma de acreditar tem que se dar formação e acabar com a rotatividade a que se assiste nos coordenadores. Se não for este o caminho, arriscamo-nos a perder coordenadores e delegados com grande experiência, a perder mais columbófilos resultante da mesquinhez, insatisfação e dúvidas que advém da falta de participação, organização e compreensão das tomadas de decisão, ou, porventura, de interesses destabilizadores do foro hierárquico ou comercial. Só existem dúvidas quando se desconhece ou se conhece parcialmente a matéria sobre a qual se fala. Urge pois mostrar aos columbófilos o que se faz, como se faz e porque é que se faz. Em suma: dar a conhecer, esclarecer e clarificar.

Qualquer pessoa esclarecida, não tem dúvidas, acredita no “sistema” e tende a participar nele, formando um grupo coeso em que a defesa dos interesses, quaisquer que eles sejam, caiam perante o pombo-correio.