Do Meu Pombal

Inocêncio Mendes

O Estudo da Genética ao serviço da Columbofilia

 (Um pequeno artigo de cultura geral, e no caso, maiores conhecimentos columbófilos, não nos fará mal, com certeza, apesar do tema abordado não ser simples. Penso que estará ao alcance daqueles que verdadeiramente se interessam pelas novidades em columbofilia, Este pequeno apontamento não é nem mais nem menos um pequeno contributo para os companheiros de desporto que gostam de estar sempre a aprender. Este texto foi revisto e melhorado pelo Dr. António Amaro - Biólogo)

Vai ser mais fácil selecionar reprodutores? Como irão proceder os negociantes de pombos? Irá a venda de gato por lebre terminar num futuro próximo? Ou vão apresentar o código genético, autenticado, da ave a vender?

Expliquemos primeiramente o que é a genética, definições para uma ciência tão vasta e complexa, para poder explanar em poucas linhas.  

A Genética é a especialidade da biologia que estuda os genes e a hereditariedade Os genes são sequências de nucleótidos - moléculas monoméricas, constituídas pelo ácido fosfórico, por um açúcar e por uma base azotada que atuam como blocos construtores de ácidos nucleicos como o ácido desoxirribonucleico – ADN (ou DNA) - que quando lidos e interpretados desencadeiam um processo complexo que resulta na codificação de proteínas e/ou regulação de características como por exemplo a cor dos olhos. A molécula de ADN possui por isso toda a informação genética de um organismo e encontra-se replicada em todas as células que o constituem em formas estruturais altamente densas denominadas de cromossomas. A grande maioria dos organismos são organismos diploides, o que significa que possuem pares de cromossomas homólogos, e por sua vez dois genes para cada característica. É a diferença existente entre os nucleótidos ao nível da base azotada que permite que a molécula de ADN possa ser interpretada por maquinaria celular como um código - código genético -. O código genético é um código quaternário, logo possui quatro elementos distintos que informam significados diferentes. Os quatro elementos distintos são as bases azotadas adenina (A), citosina (C), guanina (G) e timina (T). O ADN é uma molécula de estrutura em dupla-hélice e essa característica é possível através da afinidade química existente entre a adenina e timina e citosina e guanina. A complementaridade de pares de bases AT, TA, CG e GC entre dois nucleótidos é o que torna por isso possível a existência do código genético.

A diversidade encontrada entre indivíduos da mesma espécie advém do conjunto de variações de nucleótidos existentes nos genes. No processo de fecundação, os gametas masculino e feminino - espermatozoide e óvulo - contribuem cada um com informação genética para o novo organismo, e é esta nova composição genética que permite a descendência de indivíduos com características próprias. Este processo permite a que as espécies possuam grande variabilidade genética entre os seus indivíduos. A composição genética constituída por um ou mais genes que determina uma de suas características observáveis designa-se por genótipo. Em genética, características expressas denominam-se de fenótipo. Alguns fenótipos são observáveis através da perceção humana, tais como a cor dos olhos, altura ou peso. Outros tipos de fenótipos não visíveis, porém observáveis com recurso a tecnologia, incluem tipos sanguíneos, resistência a doenças, etc. Apesar dos fenótipos serem um reflexo observável da expressão genética de cada indivíduo, outros fatores externos à genética podem interferir na realização dessa mesma expressão. A exposição de um organismo ao meio ambiente pode conduzir a interferências significativas na sua bioquímica e fisiologia. A título de exemplo, uma indivíduo da espécie humana criança que tenha herdado a genética que o levaria a ser alto, poderá em fase adulta ser baixo caso tenha tido deficiências nutricionais na fase pré-adolescente. Semelhantes pressupostos podem e são aplicados e verificados amplamente, em torno de todos os organismos vivos. Dado que apenas um dos genes homólogos é responsável por transmitir a sua informação para que seja expressa num fenótipo, faz-se a distinção entre genes dominantes - que expressam a sua informação - e genes recessivos - que não expressam a sua informação -. Para designar cada um dos genes homólogos dá-se o nome de alelo. Um organismo que contenha para determinado gene duas cópias semelhantes, isto é, dois alelos equivalentes, é um organismo homozigótico no que diz respeito àquele gene, ao passo que um organismo que contenha para determinado gene duas cópias distintas, isto é, dois alelos diferentes, é um organismo heterozigótico.

As características genotípicas podem ser descobertas analisando-se o fenótipo ou estudando os descendentes de um indivíduo.

A genética, permitiu e conduziu imensos cientistas a estudar as diversas mutações e alterações dos alelos e possibilitou através de engenharia genética o desenvolvimento de diversos e novos genótipos. Algumas Universidades Veterinárias, nomeadamente nos Estados Unidos, Bélgica e Polónia, desenvolveram estudos robustos, abordando o potencial genético desportivo e reprodutivo, em vários animais; e.g. de pombos, mas também de cavalos.

O gene DRD4 que codifica o recetor D4 de dopamina no cérebro tem sido alvo de interesse pela comunidade científica, uma vez que pequenas alterações neste gene demonstraram ter efeitos significativos nos níveis do neurotransmissor dopamina no cérebro, uma vez que os recetores D4 com afinidade para com a dopamina desempenham um papel significativo na regulação e bom funcionamento do sistema primordial de comportamento motivado por recompensa, um sistema fulcral na aprendizagem, e responsável pela regulação de incentivo e motivação, sendo ainda importante no desenvolvimento e regulação de outros processos cognitivos.

Por esses motivos, variações nos recetores D4 estão, em humanos e outros animais, associadas a alterações à criatividade, mas e também na incidência de alguns transtornos mentais, tais como a depressão.

Um estudo recentemente publicado (na revista científica internacional "Animal Genetics"), foi detectada uma relação significativa entre variantes desse gene no desempenho de pombos correio em corridas. Essa influência foi observada em todas as distâncias, tendo sido estatisticamente significativa em corridas de curta e média distância. Este estudo incluiu 1380 testes de desempenho de voo. (Proskura et AL, 2015) Pombos com os genótipos TT / CT, TT / CC e TT / TT demonstraram como essas variações podem influenciar o desempenho das corridas de longa e curta distâncias. A Animal Genetics, que estuda esta área, também verificou a relação entre as variações de DRD4 e LDHA e como elas podem influenciar a velocidade e o desempenho à distância.

A variante CCC0 demonstrou estar associada a médias mais baixas no desempenho dos pombos (pombos de baixo valor).Os genótipos com as variantes CTCC e CCCT demonstraram ter uma relação significativa com desempenhos médios altos. Os genótipos com as variantes CTCT demonstraram ter uma relação significativa com desempenhos médios muito altos, o que significa que os pombos com um genótipo CTCT foram aqueles que tiveram melhor desempenho em velocidade e meio fundo. (os que mais nos interessam)

Atendendo às conclusões deste estudo e ao modo como se enquadram e relacionam com o conhecimento existente sobre a genética é possível que pombos com um genótipo CTCT possam ter um desempenho igualmente superior em corridas de longa distância, uma hipótese que espero que possa ser considerada para estudos científicos futuros. 

Pelo que vemos e suspeitamos, essa influência aplica-se igualmente a outras distâncias. Essa suspeita é reforçada, entre outras, pelo facto de termos encontrado um TT TT no pombo ÁS da KBDB (Federação Belga), na categoria extrema longa distância, enquanto essa variante nunca havia sido observada, nem mesmo na extensa pesquisa acima mencionada. 

Provavelmente, as variantes desse gene podem indicar diferenças nos traços de caráter dos pombos, uma vez que a influência no desempenho da competição é significativa. Porém, ainda não poderemos saber e afirmar se este estudo está completamente correto. Isso vai exigir outras pesquisas. Atualmente, estão a tentar descobrir com precisão o que se passa e quais os genótipos que podem ter influência na capacidade de voo, resistência e velocidade.

Ou seja, existem os pombos que têm vontade de voltar para casa mais rapidamente. São capazes de tomar decisões criativas mais rápidas, como por exemplo, afastarem-se do grupo?

É muito claro que a pesquisa de ADN nos permite saber cada vez mais sobre a qualidade real dos pombos-correio, ao nível do desempenho, mas também ao nível da linhagem e características observáveis externamente. Em particular, estaremos cada vez mais perto de conhecer o verdadeiro valor reprodutivo dos pombos-correio, a partir destes dados.

(Fontes: pigen.be; Wikipédia; Animal Genetics)

Nota:

Um genótipo é uma parte do ADN que controla determinada característica, como a cor da pele ou dos olhos. O alelo é a variação específica do gene, que vai determinar como essa característica se expressará no indivíduo.

INOCÊNCIO MENDES (isoaresmendes@gmail.com)