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Soltas de pombos: falta de regulamentação? Ou responsabilidade partilhada? 16/07/2012

 

  1. Introdução

 Como não se sabe como é que o pombo-correio se orienta não se sabe o que o afecta na sua orientação. Tudo o que se possa dizer, trata-se de pressupostos, teoria ou conhecimento de experiências feito. De científico nada temos. No entanto, sabemos o que o prejudica ou beneficia em termos meteorológicos.

Sempre me lembro, e já lá vão 34 anos de columbofilia, de concursos de Fundo desastrosos. Aliás, só à cerca de 10 a 15 anos para cá é que deixaram de ser habituais as provas de segundo dia, porque até então, anormal era provas no mesmo dia.  É claro que estou a falar em provas de 600Km ou mais, porque normalmente são estas onde é mais frequente perder pombos em quantidade e com qualidade. Nos últimos anos tudo evoluiu e o aparecer das novas tecnologias deu outra informação e conhecimento de modo a minimizar o que dantes era habitual.

A tendência para facilitar sempre que existe céu limpo, durante algum tempo, é intrínseco quer ao columbófilo quer aos delegados e coordenadores de solta. Condições de solta e bom tempo no local de chegada não são indicadores de condições para uma prova óptima. Depois do desastre, a tendência para arranjar culpados é directamente proporcional ao descuido (ligeireza de análise) anteriormente referido. “Os outros são todos incompetentes” nós é que não temos culpa. Nem participámos na tomada de decisão. Declinamos o que não se pode declinar: a responsabilidade. Com esta atitude estamos a colocar fora do circuito associativo as pessoas com muita experiência e dedicação: não havendo base cientifica tem que haver conhecimento de experiências feito. Ao longo dos anos os coordenadores e delegados com menos acidentes têm sido aqueles que há mais anos estão a coordenar. Nesta função a experiência ainda é rainha. Além disso, estão mais à vontade para aguentar a pressão dos columbófilos.

 

 

  1. Intervenientes na solta.

A solta não pode ser limitada ao momento da largada. É mais abrangente: começa na preparação do pombo, passa pelo encestamento, transporte, largada e acaba quando chega ao pombal.

 

a)   O Columbófilo. A preparação da solta começa no columbófilo, preparando os seus pombos para a prova que se vai realizar. Informa-se das condições meteorológicas previstas para o concurso e envia os pombos mais aptos para o grau de prova e dificuldade previsível.

b)   Clube ou colectividade. É no encestamento e suas condições que começa a longa maratona do transporte. Os pombos devem ter todas as condições para não entrarem em “stress” e/ou estado de desidratação. A colocação de água desde os treinos cria o hábito do abeberamento na caixa, imprescindível na época de calor.

c)   O delegado de solta. Ao delegado compete zelar pelo bem-estar do pombo durante o transporte, alimentação e abeberamento, quando necessário, e reportar ao coordenador as condições de tempo no local de solta. Dar parecer, ao coordenador, baseado no seu conhecimento e experiência, das condições de saída dos pombos.

d)   O coordenador de solta. Ao coordenador compete gerir o transporte e suas condições, informar-se da situação meteorológica no local de solta, através do delegado. Certificar-se do tempo que irá fazer no percurso, através do meteorologista. Analisar outras soltas na mesma área ou que cruzem a sua linha de voo. Gerir esta informação e ordenar o momento exacto da solta.

 

  1. Acidentes ou incidentes.

Impomos provas para determinados dias com determinadas distâncias; As galeras, responsáveis pela grande revolução columbófila, são as mesmas de à 20 a 30 anos; queremos aberturas automáticas e não nos preocupamos que os pombos das caixas de baixo vão ao chão. Damos importância a 10 ou 20 segundos nas aberturas dos cestos e menosprezamos os acidentes do embate no solo. Coexiste o aspecto económico das associações e os interesses dos columbófilos e não dos pombos; “Só nos lembramos de Santa Bárbara quando faz trovões” - onde mora o culpado? É a pergunta que surge imediatamente após o desastre. Esquecemo-nos de que o acto de soltar pombos é um acto de risco e que o pombo que hoje temos, que faz provas de fundo com grande velocidade, comparado com o pombo de antigamente, deve-se à selecção natural, ou seja: à custa de muitos e muitos desastres.

Muitos dos incidentes ou acidentes são devidos à má gestão dos locais de solta. Marcam-se com uma fita métrica no mapa a duas dimensões e os pombos que se “desenrasquem”. Há locais e linhas de voo impróprios ou que em determinadas situações meteorológicas se transformam em autenticas armadilhas. Marcam-se locais de solta para determinados dias sabendo que o cruzamento de milhares de pombos com rotas diferentes é possível e muitas vezes inevitável. O pombo voa em grupo e quanto mais esgotado estiver maior é a sua tendência para seguir um bando. Se a prova, meteorologicamente falando, for difícil então podemos estar perante grandes desvios de rota. Os arrastamentos são preocupantes e causadores de grandes percas. Preocupamo-nos com locais equidistantes com o tempo que temos que dar aos outros columbófilos e não nos preocupamos com o elemento principal do nosso desporto: o Pombo-Correio. Enfim, a busca permanente de ser campeão, custe o que custar. Mas quando algo corre mal, lá estamos nós a gritar.

Sabemos e reconhece-se que quer o delegado quer o coordenador são peças fundamentais. No entanto, assistimos a uma mudança constante destes agentes desportivos. Ao longo dos últimos anos a FPC promoveu e realizou inúmeras acções de formação para delegados e coordenadores de solta. Poucos são os que estão no activo. Um coordenador e um delegado “fazem-se” não é inato. Não basta querer, tem que se aprender.

Sendo uma função em que se reconhece a experiência, estes devem ter um percurso idêntico ao dos árbitros: distritais, nacionais, 1º liga e, só depois, os internacionais.

Não é trocando de coordenadores ou delegados constantemente que se evita desastres. Não é substituindo toda a equipa associativa que se evita desastres. Não é criticando negativamente que se evolui. Nunca vi um clube ser campeão mudando todos os anos de equipa ou treinador. As organizações mudam-se por dentro com criticas construtivas cimentando as novas ideias com a experiência. O individualismo da nossa sociedade e a destruição do espírito solidário de grupo, a que assistimos nas sociedades ocidentais, não pode nem deve entrar na columbofilia. O interesse colectivo e a defesa do pombo devem imperar a bem deste “desporto”. O protagonismo o bota abaixo e a cultura do “eu” ataca e procura corroer quase sempre os trabalhadores e não os fungos (passam despercebidos). O que seria da colmeia sem guardas? E se uma obreira começar a questionar e a “envenenar” permanentemente as outras sobre a rainha, mandriona, que não trabalha e só se diverte sexualmente? Por certo será o fim do enxame. Cada um deve desempenhar o seu papel na hierarquia, assumir as suas responsabilidades e não ter medo de decidir.

Penso que, o aspecto negativo desta luta contra os clubes, associações e federação consiste no facto de desviar a atenção das pessoas, impedindo-as de descobrir o potencial da sua força conjunta, de perceber que os dividendos que se colhem em proveito próprio não é a medida mais perfeita para a prosperidade da columbofilia.

As querelas e todas as guerras a que assisto há muitos anos estão a provocar danos irreversíveis na estrutura associativa, desviando energias que deveriam ser canalizadas para a actuação em áreas carenciadas ou de grande impacto. Será que a culpa não está no nosso “desleixo” geral? Será que estamos a fazer as críticas e propostas exequíveis nos locais certos da hierarquia? É urgente que se comece a apresentar propostas nos clubes e associações para que estas façam as alterações aos calendários, campeonatos e, se for caso disso, a regulamentos e estatutos. Temos que falar a um só som e dar um passo de cada vez. O poder decisório de legislação sobre calendários e soltas reside nas associações. Só estas, em congresso, podem alterar o Regulamento Desportivo Nacional.

Estamos perante um processo irreversível. Estamos a chegar ao ponto de não retorno. Se se altera uma prova logo alguém grita: incompetentes! se se solta mais tarde, é por interesse de alguém; se se diminui a distância a uma prova, para defender os pombos, tem-se medo ou é para aquele columbófilo ganhar porque os pombos dele não fazem fundos grandes. Se um coordenador cancela uma prova é o “fim do mundo”. Enfim, estamos “todos”, quiçá, “atiçados” por interesses, que desconheço, no “bota abaixo”.

A verdade, verdadinha é que nós columbófilos, queremos é enviar e receber pombos. A responsabilidade é sempre dos outros. Não colaboramos na estrutura hierárquica e desaparecemos de cena entre Julho e Janeiro. Normalmente apontamos os dirigentes associativos com desdenho em vez de os apoiar. Porque se há 30 ou 40 anos dava “status” social fazer parte dos órgãos sociais de qualquer colectividade, hoje trabalha-se continuadamente a levar “porrada”. É nosso dever apoiar e criticar construtivamente quem ainda tem um resto de sensibilidade social e comunitária.

Existem estudos e artigos sobre temperaturas e restantes elementos meteorológicos, que são do conhecimento generalizado e não se põem em prática; Temos consciência que o clima está a mudar e que cada vez as temperaturas são mais elevadas; Sabe-se o tempo, com elevado grau de precisão para o dia da solta; Existem locais onde tem havido habitualmente acidentes; Semanalmente cruzam-se milhares de pombos com diferentes rotas. Os desastres, que não queremos, continuam a acontecer. Se sabemos tudo isto não fazemos nada? Estamos todos a apáticos ou acomodados? Na defesa do pombo, é nosso dever regulamentar. Não havendo regulamentos não se pode dar força, exigir ou pedir responsabilidade. Como sempre o pombo, elemento principal da engrenagem, é esquecido.

É urgente mudar. Não vale a pena fazer comissões de estudo, porque por aquilo que nos foi dado a ver: são morosas e nem sempre têm funcionado. O conhecimento, desta situação, é generalizado há que defender o pombo e legislar. É necessário mudar regulamentos e estatutos? Que se mudem. Necessitamos de uma federação activa e omnipresente? Que seja. Perderemos columbófilos com esta imposição? Talvez, mas a continuar assim perderemos os pombos e os columbófilos. Vale mais tentar mudar do que nada fazer. Relembremos a inércia nacional: o Alqueva andou quarenta anos em discussão, e o novo aeroporto de Lisboa, os primeiros estudos datam de 1966. Pensamos demais e agimos de menos.

Como meteorologista tenho apoiado a columbofilia, dando informações aos coordenadores, informando-os do tempo que está na área do local de solta e o que irá fazer durante a prova. Apesar da grande fiabilidade actual das previsões meteorológicas a curto prazo, aproximadamente 85 a 90%, são sempre previsões. É um trabalho técnico desenvolvido desde as 4 horas da manhã até ao momento em que se efectua a última solta. Sábados e domingos, de Fevereiro a Julho. Durante a semana, apesar de haver previsões meteorológicas efectuadas por entidades oficiais, dou o apoio que os coordenadores necessitam para programarem as soltas. Efectuo acções de formação ou dou palestras sempre que me é solicitado. No entanto, como columbófilo questiono-me como é que continuamos a ter acidentes com o conhecimento que hoje há? Porque é que não se põem em prática os trabalhos efectuados? De uma vez por todos tem que se legislar e aceitar as alterações de provas e locais impostas pelos regulamentos. Aceitar, em caso de dúvida do coordenador, o cancelamento da prova. A bem da imagem do nosso desporto e acima de tudo do pombo, vale mais trazer os pombos de volta que assistir a desastres. A continuar assim não nos podemos lamentar. Que bom é ouvir: tenho todos os pombos em casa.

Vivo duas entidades numa. Assisto aos desastres e, por vezes, a muito custo, consigo evitar alguns. O meu estatuto é o de informar tecnicamente das condições meteorológicas que estão e que irão fazer no percurso e de assistente das decisões das associações, dos delegados e coordenadores. Nunca disse, nem tenho competência para mandar soltar pombos. Sinto-me coordenador de bancada. Como tal não tenho interferência no “jogo”.

A continuar assim que ninguém se queixe e que se viva o nosso “fado”.

A mudar que seja “ontem” porque hoje já é tarde.

A bem da columbofilia, haja vontade de mudar mas, coerentemente.