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Temperatura, Calor, Vento e espaço a percorrer ( Artigo publicado no jornal Portugal Columbófilo) 04/08/2016

 

A temperatura de um corpo é a energia cinética (“energia do movimento”) média dos átomos, molécula e iões que compõem a matéria. A temperatura não é uma medida de calor, mas a diferença de temperaturas é a responsável pela transferência da energia térmica na forma de calor entre dois ou mais sistemas. Quando dois sistemas estão à mesma temperatura diz-se que estão em equilíbrio térmico e neste caso não há calor. Quando existe uma diferença de temperatura entre dois corpos, diz-se que há calor do corpo que tem temperatura superior para o corpo que tem temperatura inferior, havendo transferência até se atingir o equilíbrio térmico. Os organismos vivos, com capacidade para manterem a sua temperatura corporal, de alguma forma têm que regular a quantidade de energia térmica que possuem. Como estão constantemente a converter energia química em térmica, a condição ideal para tal organismo é aquela na qual há uma diferença de temperatura entre ele e o meio que determine, em função do volume corporal e outros fatores, uma taxa de calor entre ele e o meio igual à taxa com a qual a energia térmica é produzida pelo seu organismo. Normalmente para seres vivos cuja temperatura corporal ronda os 37ºC a sensação de calor situa-se em torno de 20 a 22ºC. Esses valores podem variar um pouco de indivíduo para individuo, sendo inclusive dependentes dos níveis de gordura corporal.

 

Quando um ser humano pratica exercício físico ou participa num evento desportivo, todo o seu organismo se torna muito eficiente, de modo a que grande parte do seu sangue seja direcionado para os músculos que estão em ação, queimando energia e produzindo calor interno. A esta temperatura corporal, aumentada pelo esforço, junta-se a temperatura externa, que sendo elevada faz subir a temperatura interna, provocando limitações na produção de energia. Se deixarmos a temperatura corporal subir muito, será imperativo um esforço extra do corpo para fazer dissipar esse calor e, portanto, terá menor capacidade orgânica para regular o fluxo para aquilo que é preciso, ou seja, alimentar os músculos, tendo como consequência uma “falência” muscular com consequente perda de rendimento ou a obrigatoriedade a uma paragem para recompor termicamente o corpo.

 

O aumento da temperatura corporal leva a um aumento do suor, que, por sua vez ao evaporar, provoca o arrefecimento corporal, fazendo-o reentrar em equilíbrio. Ora é aqui, nesta relação, que entra outra condicionante que pelo seu valor se torna determinante para o equilíbrio térmico em esforço. Trata-se do valor da humidade do ar, pois uma humidade elevada reduz a evaporação do suor e provoca consequentemente um aumento corporal da temperatura e uma humidade baixa leva a um rápido arrefecimento corporal e a uma super-rápida desidratação. Deste modo, tomamos consciência que não é só um elemento meteorológico que afeta os atletas, mas a interação entre eles e a sua interação com o esforço produzido. Se à temperatura e humidade se juntar o vento, independentemente da sua direção, pode-se dizer que a existência deste provoca a evaporação do suor, logo leva a uma diminuição da temperatura corporal, e a sua ausência em nada influência a evaporação, logo não afeta a relação térmica corporal.

Os estudos para corridas com seres humanos indicam que para uma temperatura de 31ºC e uma humidade relativa abaixo de 40%, a sensação é de 31ºC. Mas se a humidade for de 70%, a sensação térmica aproxima-se dos 37 a 38ºC. Na competição humana, tem-se verificado que muitos dos recordes foram batidos entre os 14 e os 18ºC e com humidade na casa dos 50%.

Temos estado a relacionar o corpo humano, com os elementos temperatura, humidade e vento, pois não existem estudos para a competição com pombos-correio, mas trata-se de um ser vivo com uma temperatura corporal média, ligeiramente acima da temperatura dos humanos. Não havendo estudos específicos teremos que extrapolar comportamentos e situações para a nossa competição, ressalvando que os seres humanos têm inteligência, que os levam, em cada momento, a optarem pelas melhores soluções para manterem o equilíbrio energético perfeito de modo a retirar os maiores dividendos dele. No caso específico dos pombos-correio, o modo como os treinamos, aliada à sua vontade de regressar a casa pode fazê-lo voar até à exaustão e a uma falência física, a paragens consecutivas para reabastecimentos e a paragens longas fazendo voo só pela manhã e à tarde-noite, quando sujeitos a falências orgânicas provocadas pela equação, resultante das interações térmicas e o esforço.

 

Na competição com pombos-correio, aliada a esta “extrapolação” corporal na relação Temperatura-Humidade e Vento que esperamos na essência do voo no seu regresso a casa, temos outras, que são fundamentais para o sucesso da competição, que não controlamos totalmente, mas que temos vindo a assistir a uma maior consciencialização e preocupação, bem como a uma melhoria permanente. Referimo-nos necessariamente ao transporte desde casa até ao local de encestamento, ao transporte até ao local de solta e aos tempos de abeberamentos e de descanso.

 

Dos vários trabalhos efetuados ao longo dos últimos 15 anos pela observação dos resultados da relação temperatura mínima e temperatura máxima, levou-nos a elaborar uma previsão das dificuldades previstas no regresso do pombo-correio a casa, única e exclusivamente através do elemento temperatura, atribuindo cores com os seguintes valores: temperaturas mínimas acima de 18ºC e/ou máximas superiores a 28ºC, cor amarela, mínima acima de 20ºC e/ou máxima superior a 32ºC a cor Laranja e mínimas acima de acima de 22ºC e/ou máximas superiores a 37ºC a cor Vermelha. Ora como vimos anteriormente ao valor de temperatura terá que também que se associar a humidade e o vento, tendo em conta a sua intensidade e direção. Como já abordado em outros artigos o mesmo valor de temperatura e humidade para uma prova pode ter resultados diferentes pela influência da direção e intensidade do vento. Se a existência de vento contra nos dias de temperaturas amenas apena exige esforço mecânico, em dias quentes e húmidos pode ser motivo de desastre se tivermos fatores contrários ao voo e uma distância grande a percorrer. O contrário se tem verificado que para uma mesma temperatura e humidade o vento favorável minimiza e muito os resultados esperados caso se só se tivesse em conta os valores da temperatura e da humidade.

 

Tem-se vindo a verificar que as primeiras provas efetuadas com calor são sempre as que trazem mais complicações ao voo do pombo-correio. No entanto, também se tem verificado que nos dias com temperaturas mínimas até 20ºC, se têm efetuado provas de velocidade dentro da “normalidade” para as dificuldades previstas. Tem sido dado a observar que quando tomadas as medidas necessárias para o abeberamento e transporte, as provas de velocidade, ou provas até às 4 horas de voo, efetuadas cedo têm tido resultados “normais” para pombos experientes no final da campanha. O mesmo não tem acontecido em situações de provas de meio fundo ou com mais de 5 horas de voo. Verifica-se assim, que se tem detetado um período de voo, “aceitável”, até às 4 horas de voo em dias com temperaturas mínimas até 20ºC. Para valores de temperatura mínima superior, sem vento favorável tem sido observado situações muito complicadas no regresso do pombo-correio a casa, que em determinados casos a grande maioria regressa ao final do dia ou na manhã do dia seguinte, constatando-se, em certos dias e situações térmicas, um muito elevado número de percas, quer pela exaustão quer pelos abeberamentos com água salgada ou contaminada.

 

Para termos uma maior noção do descrito, vejamos dois dias de temperatura elevada comparando três provas efetuadas a 06 de junho de 2015: La Roda para Leiria, de Burgos (Valdeomillos) para Lisboa e de Motilla para Santarém. Em 2 de julho de 2016: La Roda para Leiria, de Burgos para Lisboa e de La Roda para Santarém. Destes três distritos escolhemos ao acaso três coletividades com página no columbofilia.net: Peniche, Camarate e Meia via.

 

 

 

06 de junho de 2015

 

 

Neste dia as temperaturas mínimas, (valores que normalmente se atingem ao nascer do Sol),  no planalto central (solta para Lisboa) estavam na casa dos 12ºC.  Na zona Leste de Castila La Mancha (solta de La Roda para Leiria e de Motilha para Santarém) eram na casa dos 13 a 14ºC. Verificando-se temperaturas mínimas entre os 20 a 24ºC na Beira Baixa, Alto Alentejo, e Ribatejo (linha de voo para Lisboa, Leiria e Santarém). A Extremadura espanhola apresentava temperaturas na casa dos 18 a 19ºC.

 

Quanto às temperatura máximas, (valores que normalmente se atingem 2 a 3 horas depois do meio dia solar), elas foram sempre superiores a 30ºC, atingindo os valores mais elevados de 38ªC na Extremadura espanhola. A área da Beira Baixa, Alto Alentejo e Ribatejo, atingiu valores de temperatura, máxima entre os 35 a 36ºC. O vento era do quadrante Este na zona centro Este da Peninsula Ibérica, de Nordeste no planalto central e de Noroeste na faixa costeira ocidental. Situações meteorológicas destas, levam a que o vento “transporte” o ar quente do centro-Este da península Ibérica para se concentrar e fazer aumentar as temperaturas mínimas e máximas na Extremadura espanhola, Alentejo e Ribatejo. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera emitiu alerta Amarelo para o Alentejo.

  

 

Neste dia as temperaturas mínimas, (valores que normalmente se atingem ao nascer do Sol),  no planalto central (solta para Lisboa) eram na casa dos 12ºC, e na zona de La Roda Albacete (solta de La Roda para Leiria e Santarém) registavam valores na casa dos 15 a 16ºC. As temperaturas mínimas na área Oeste de Castilla La Mancha: ou seja logo a seguir ao local de solta indicavam valores na casa dos 20ºC. Na estremadura espanhola, (na área da linha de voo) as mínimas foram entre 18 a 19ºC e na Beira Baixa, Alto Alentejo, e Ribatejo (linha de voo para Lisboa e Leiria) variaram entre os 15 e 17ºC. As temperaturas máximas registadas neste dia foram iguais ou superiores a 30ºC, observando-se na comunidade de Madrid e área Oeste de Castilla La Mancha valores iguais ou superiores a 38ºC. O vento apresentava uma predominância do quadrante Oeste na zona Centro-Oeste e Sul da Península Ibérica, de Noroeste na faixa costeira ocidental e de Nordeste no Planalto Central. Situações meteorológicas destas, levam a que o vento “transporte” o ar quente do centro-Oeste da península Ibérica para se concentrar e fazer aumentar as temperaturas mínimas e máximas na comunidade de Madrid e em Castilla La Mancha. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera não emitiu alerta para o continente português.

 

 

 

 

Resultados obtidos nestes dias:

 

06 de junho de 2015

 

 

Valdolmillos para Camarate – 537Km

Class.

Tempo de voo

média

06h17

1433mm

35º

06h48

1327mm

70º

07h08

1256mm

Fecho da classificação 51 minutos

Motilla para Meiavia – 565Km

Class.

Tempo de voo

média

06h37

1194mm

19º

07h59

1095mm

39º

12h00

753mm

Fecho da classificação 323 minutos (5h23)

La Roda para Peniche – 603Km

Class.

Tempo de voo

média

07h08

1398mm

37º

08h00

1242mm

74º

11h18

892mm

Fecho da classificação 250 minutos (4h10)

 

 

Analisando, as distâncias percorridas, tempo de fecho das classificações e tendo em conta as condicionantes atmosféricas do dia 06 de junho de 2015, podemos concluir, que apesar de existir alerta amarelo em Portugal, e temperaturas mínimas acima de 20ºC em território português e acima de 18ºC na extremadura espanhola, o factor vento favorável e as temperaturas minímas, localmente amenas à partida foram diretamente ligadas ao tempo que demorou a fechar a classificação. Ora vejamos: Lisboa voou sempre com vento com componente vectorial favorável, tendo os primeiro 300 quilómetros com condições térmicas muito boas para a prática da columbofilia. Santarém, que estava a percorrer mais 40Km, e a Este, também com vento com componente vectorial favorável, embora com menor intensidade, mas agora só nos primeiros 300 quilómetros e com temperaturas mais elevadas logo a partir dos primeiros 50Km onde as temperaturas mínimas eram iguais ou superiores a 18ºC, demorou cerca de de 2 horas para fechar as classificações. Seguindo este raciocínio de dificuldade maior junto à fronteira portuguesa e em Portugal, conseguimos perceber o porquê de Leiria demorar 4 horas para fechar as classificações. Das observações dos resultados obtidos no dia 6 de junho de 2015, pode-se concluir que cada 40km a mais percorridos correspondem a um aumento que pode variar entre 1h30 a 2h no período de fecho das classificações, para situações meteorológicas idênticas.

 

 

02 de julho de 2016

 

Burgos para Camarate – 601Km

Class.

Tempo de voo

média

06h27

1551mm

21º

06h54

1503mm

42º

07h08

1408mm

Fecho da classificação 41 minutos

La Roda para Meiavia – 526Km

Class.

Tempo de voo

média

06h37

1194mm

19º

07h59

1095mm

39º

12h00

753mm

Fecho da classificação 323 minutos (5h23)

La Roda para Peniche – 603Km

Class.

Tempo de voo

média

08h52

1127mm

27º

11h11

901mm

53º

18h26

546mm

Fecho da classificação 574 minutos (09h34)

 

 

Analisando, as distâncias percorridas, tempo de fecho das classificações e tendo em conta as condicionantes atmosféricas do dia 02 de julho de 2016 podemos concluir, que apesar de não existir alerta em Portugal nem em Espanha, e termos temperaturas mínimas acima de 19ºC na parte Norte da Extremadura espanhola, comunidade de Madrid e na área Oeste da região autónoma de Castilla La Mancha, o factor vento, e localização das temperaturas mínimas (superíores a 18ºC) mais elevadas foi determinante para o sucesso ou insucesso das provas realizadas. Ora vejamos: Lisboa voou sempre com vento com componente vectorial favorável, tendo os primeiro 300 quilómetros com condições térmicas muito boas para a prática da columbofilia. Santarém, que estava a percorrer menos 75Km, e mais a Este, desta vez com vento com componente vectorial contra, embora com pouca intensidade, começou por ter contacto com temperaturas mínimas acima de 19ºC logo a partir dos primeiros 50Km demorou cerca de 5h30 para fechar as classificações. Seguindo este raciocínio de dificuldade maior devido à componente vectorial contra do vento, embora fraco, associado às temperaturas mínimas superiores a 19ºC logo após os primeiros 50Km, conseguimos perceber o porquê de Leiria demorar 9h30  para fechar as classificações. Das observações dos resultados obtidos no dia 02 de julho de 2016, pode-se concluir que cada 50km a mais percorridos correspondem a um aumento que pode variar entre 4h e as 08h no período de fecho das classificações, para situações meteorológicas idênticas. Neste dia a localização das temperatura máximas foi de desprezável importância porque a sua localização e a hora a que foram atingidas não interferiram com o resultado das provas.

 

Da análise às condicionantes meteorológicas, versos resultados das provas em referência, podemos concluir que a localização dos valores de temperaturas mínimas superiores a 18ºC, associado à direção e intensidade do vento: ser com componente favorável ou contra, é de crucial importância e está directamente ligado ao sucesso ou insucesso das provas com pombos-correio. A localização das temperatura máximas, tempo de voo e expectativa de tempo na passagem dos pombos por essas áreas é fundamental, porque não havendo vento favorável, as médias serão sempre baixas pelo que em provas de longa distância, serão sempre influênciadas pelo valor da temperatura máxima. Relacionar sempre, tal como extrapolado no início, o esforço que se prevê ser dispendido e a humidade relativa ao longo do percurso. Ou seja: da análise ao grau de dificuldade previsto para uma prova com pombos-correio  nos meses de temperaturas elevadas, deverá ser sempre equacionado a relação componente do vento, temperatura mínima, humidade e distância a percorrer por serem estes os elementos que vão interferir primariamente com o resultado da prova, porque ao não estarmos a lidar com competições de seres humanos em que existem locais apropriados para a hidratação e alimentação, mas sim com animais que reagem apenas ao instinto de regresso a casa e que têm, nos últimos anos, sido selecionados para voo directo e não para viagens que “param em todas as estações e apeadeiros” como à 30 ou 40 anos atrás,  somos responsáveis pelo que selecionamos e pelas nossas opções. Sabendo disto, optar por provas de voo directo ou as que se fazem com reabastecimento aleatório em que uns voam até à exaustão e outros não, vão vindo com mais ou menos paragens, faz parte das grandes opções que queremos para a prática da columbofilia. Ou então, porque não, fazer coexistir estas duas fações, dentros dos limites do bem estar do pombo-correio. A opção é e será sempre nossa, na medida do conhecimento científico que se tenha e seja espectável.