Estudos

Tempestades geomagnéticas, “Índice K” e o que se constatou nas soltas de pombos-correio em 2017 (Artigo publicado no jornal Portugal Columbófilo) 05/12/2017

 

Muito se tem falado nos últimos anos sobre a atividade solar, tempestades geomagnéticas, índice K e raios UV. O próprio autor já elaborou vários trabalhos, nomeadamente sobre a relação dos raios ultravioleta e inversões térmicas, assim como outros autores nomeadamente Hubert Land e Steven Van Breemen. Existem “sites”, que se dizem especializados para informar das condições eletromagnéticas da atmosfera e das condições para se soltarem pombos com base na atividade solar. Efetivamente até a própria agência NASA, refere em alguns artigos que com fator K superior a 4, não existem condições para soltar pombos-correio. Tudo tem razão de ser, tudo é relativo e a verdade científica é absoluta. Resta-nos fazer a seguinte pergunta:

Onde e quando?

Se perguntarem a um meteorologista se vai chover, ele responde:

- Sim vai chover.

No dia seguinte, em virtude de não ter chovido, o autor da pergunta chega junto ao meteorologista e diz-lhe:

- O meu amigo enganou-se. Não choveu.

E o meteorologista responde:

- Choveu sim. Não perguntou onde e quando.

Hoje iremos falar exclusivamente sobre tempestades geomagnéticas e índice K, sobre os quais se tem feito alguns alarmismos nas redes sociais: alertas de tempestades geomagnéticas, gritando aos sete ventos que se perderiam os pombos todos, baseados em informações generalistas ou pouco científicas sem conhecimento da sua relação com as soltas de pombos-correio, como foi o caso das soltas efetuadas em 28 de maio de 2017, onde se deveria ter perguntado: onde e quando. Por esse fato e na vontade de minimizar essas informações, esclarecendo, informando com sentido de dever para que as soltas de pombos-correio se efetuem dentro da norma social e com base científica, descrevo o que foi constatado em algumas soltas de Pombos-correio, que se efetuaram em 2017, onde se registaram valores entre 5 e 9 no índice K em dias de tempestades geomagnéticas consideradas de G3 e G4: ou seja, moderada e forte.

Uma tempestade geomagnética, ou tempestade solar, podemos dizer de uma forma simples, (…) que é uma perturbação temporária da magnetosfera da Terra causado por uma onda de choque do vento solar e/ou nuvem magnética que interage com o campo magnético da Terra. A Terra recebe radiação de diferentes energias e origens do espaço sideral, mas a sua superfície está razoavelmente protegida por diversas camadas da atmosfera. A magnetosfera funciona como um escudo protetor de plasma, onde partículas carregadas são controladas pelo campo magnético que desvia a maior parte das partículas energéticas que chegam ao planeta. Um fluxo de radiação eletromagnética emitida pelo Sol chega à Terra constantemente e sofre influência do campo geomagnético e da atmosfera terrestre, que impedem que o planeta seja atingido diretamente e fazendo com que o vento solar flua em torno do campo. Mas a magnetosfera pode ser perturbada e alterar a sua intensidade e direção quando se verificarem um grande número de erupções solares. A radiação transborda a magnetosfera e ioniza outras regiões da atmosfera trazendo diversas consequências eletromagnéticas e climáticas. (…) (fonte wikipedia).

As explosões Solares que dão origem às tempestades geomagnéticas, demoram em média cerca de 48h a chegaram à Terra.

Efetivamente todos os estudos apontam para percas elevadas nos dias em que as tempestades solares chegam à Terra. Segundo James L. Gould, estudos realizados ao longo dos anos, quer nos Estados Unidos quer em Itália, mostram que os voos de regresso, em períodos de perturbações magnéticas, são mais lentos e menos precisos. O efeito sobre o rumo inicial, após a largada, também é interessante: em dias de pouco Sol ou encobertos a direção inicial do voo, num local, sofreu desvios até 40º (no sentido retrógrado), sensivelmente proporcionais à “intensidade” da tempestade. Parece, assim, que as tempestades magnéticas perturbam o sentido de localização das aves.

(…) parece que os campos magnéticos são apenas um sistema de recurso para os pombos-correio. As aves cativas também se orientam, na estação migratória, por campos magnéticos, quando não podem recorrer ao Sol ou a padrões de polarização da luz. (…)

(…) O Sol é, aparentemente, o guia mais importante para os pombos-correio, bem como para aves migradoras mantidas em cativeiro, durante o período diurno. A orientação direcional é conseguida combinando a direção do Sol com a indicação do relógio circadiano da ave. São particularmente elucidativas as experiências de desvio horário. (…)

Índice KP (Índice K planetário estimado) retrata diretamente a intensidade do fluxo solar e as perturbações causadas na alta atmosfera terrestre, principalmente a ionosfera.

O valor médio dessas observações é utilizado para produzir um índice que diz aos cientistas o quanto perturbado está o campo magnético da Terra, numa escala de 0 a 9 pontos. Quanto menor o índice (entre 1 e 2), mais calmo está o campo. Em algumas situações, as mudanças na atividade do Sol podem causar grandes mudanças no valor de Kp. Noutros momentos, valores altos de Kp podem indicar rearranjos repentinos do campo magnético da Terra devido ao vento solar. Valores de Kp maiores ou iguais a 5 indicam atividade geomagnética que sinaliza tempestade solar. Os principais utilizadores afetados por tempestades geomagnéticas são a rede de energia elétrica, operações espaciais, utilizadores de sinais de rádio que refletem ou passam pela ionosfera e observadores da Aurora Boreal. Existem várias estações mundiais onde são efetuadas leituras do campo magnético, e índices solares, nomeadamente do Índice K.

Soltas realizadas em 28 de maio de 2017

Neste dia verificou-se grande atividade geomagnética tendo-se constatado valores de índice K de 6, entre as 06h00 e as 12h00, como se pode observar na imagem seguinte do Royal Meteorological Institute da Bélgica.

No dia 28 de maio de 2017 havia provas programadas para todos os distritos, quer de Velocidade quer de Meio Fundo, tendo-se analisado, a título de exemplo, 3 provas: uma a voar para Norte, outra para Sul e outra sensivelmente para Oeste. Évora para o distrito de Aveiro, Santa Cruz de Zarza para o distrito de Portalegre e Valência de Alcântara para o distrito de Faro.

Em Aveiro, analisamos a Sociedade Columbófila de Vila da Feira, com uma prova de Velocidade cuja distância aproximada era 281km, com solta realizada em Évora às 09H30 e chegadas depois das 11H15 em que o primeiro pombo vence com 1684mm, e o último, o 189º, fez a média de 1596mm, com os 25% dos pombos da classificação a encerrarem em menos de 10 minutos.

Em Portalegre, analisamos o Clube Asas de Portalegre com uma prova de Meio Fundo de cerca de 390Km. Solta efetuada às 06H20 e os primeiros pombos chegados, depois das 11H20. Neste dia o primeiro pombo vence com 1396mm e o último da classificação, o 91º, com 1132mm 40 minutos depois do primeiro, registando-se percas inferiores a 4%.

Em Faro, analisamos a Sociedade Columbófila Louletana, com uma prova de Velocidade de distância aproximada de 262km, com solta realizada em Valência de Alcântara às 08H00 e chegadas depois das 11H53 em que o primeiro pombo vence com 1222mm, e o último, o 203º, fez a média de 1014mm, com os 25% da classificação a encerrarem em menos de 30 minutos.

Depois destes dados, tendo em conta as condições meteorológicas do dia em referência, com céu geralmente muito nublado por nuvens altas, mínimas de 19ºC na região da Extremadura Espanhola, Baixo Alentejo e Algarve e de 17ªC no Ribatejo, diminuindo à medida se se caminhava para Norte, sendo de 16ºC na Beira Litoral e Douro Litoral.

O vento era de Sul, na região Norte e Centro e de Sudoeste, fraco na região Sul e Extremadura Espanhola e de Sudeste, fraco em Castilla la Mancha, o que justifica a velocidade de 101Km/H para quem voou para Norte e os 73Km/H para quem voou para Sul. A solta de Évora para Aveiro, apesar de se efetuar mais tarde que as restantes, teve a vantagem da componente Sul do Vento e o aumento da sua intensidade ao longo da manhã.

 

Soltas realizadas em 08 de setembro de 2017

Neste dia verificou-se grande atividade geomagnética tendo-se constatado valores de índice K entre 6 e 8, sendo um dia em que este índice esteve sempre superior a 5. A NASA, num dos seus comunicados informou que no dia 6 de setembro de 2017, o sol lançou duas poderosas erupções solares, sendo que a segunda foi a mais intensa registada desde o início desse ciclo de atividade solar que começou em dezembro de 2008.

As duas erupções deram-se pelas 6:10 da manhã e a segunda foi a mais poderosa desta década. Uma erupção solar de classe X, a categoria de erupções solares mais poderosas, explodiu de uma grande mancha solar na superfície do Sol.

Como se pode observar na imagem seguinte do Royal Meteorological Institute da Bélgica, referente ao dia 08 de setembro, o índice K esteve quase sempre entre 4 e 6 na Bélgica.

No dia 08 de setembro de 2017, foram realizadas várias soltas de derbies, em vários pontos do mundo, não se constatando qualquer anomalia, para além das habituais nas soltas efetuadas com pombos muito novos. Escolhemos as que se realizaram à nossa latitude, nomeadamente a solta de Ermidas do Sado para Faro – 124Km (Derby de Faro), de Zafra para Sevilha - 125Km (Derby de Sevilha) e a semifinal do Derby Fast Pigeon Rimini Race de Itália, com solta em Ortona a 225Km.

Analisandos os derbies apresentados, pode-se observar que:

No derby de Itália analisando as provas que contavam para o pombo às, na primeira de 145km perderam-se 42% dos pombos enviados, na segunda de 185Km, 35%, na terceira 5% em 115Km e na quarta, realizada no dia 8 de setembro, 19% em 245Km, o que confirma que na prova mais longa os pombos do derby tiveram uma prestação expectável para esse dia, porque a situação meteorológica que se registou não era desfavorável à prática da columbofilia, registando-se algum grau de dificuldade devido ao vento Norte, fraco a moderado, ou seja: com componente contra o que justifica a baixa média efetuada pelo pombo vencedor de 1077mm. O céu apresentava-se pouco nublado e as temperaturas mínimas foram inferiores a 17ºC, não havendo razão para indexar as percas, que se verificaram, à tempestade solar que chegou nesse dia à Terra.

https://www.oneloftrace.live/?page=3&loft_id=41

 

 

No derby de Sevilha, com solta efetuada em Zafra a 125Km, perderam-se 11% dos pombos enviados, no dia 08 de setembro, sendo a mesma média das percas registadas nos três treinos seguintes, enquadrando-se dentro do que é espectável nas soltas dos derbies, tendo em conta a idade dos pombos-correio em competição. O céu apresentou-se limpo, com temperaturas mínimas de 17ºC na área do local de solta e 20ªc na área de Sevilha. O vento esteve do quadrante Leste, fraco durante a madrugada e manhã na área de voo. A média de 1174mm, enquadra-se no que era expectável para um primeiro treino superior a 100km com as condições meteorológicas que se registaram, não havendo, por isso, imputabilidade das percas à tempestade solar que atingiu a Terra nesse dia.

https://www.oneloftrace.live/?page=3&loft_id=49

 

No derby de Faro, com solta efetuada em Ermidas do Sado a 124Km, não chegaram, dentro do prazo de avaliação, menos de 2% dos pombos enviados, sendo o treino do pombo às em que se perderam menos pombos. O céu apresentava-se limpo, a temperatura mínima foi de 17ºC, na área do local de solta de 19ºC na área de Faro. O vento era fraco do quadrante Leste. A velocidade de 1354mm era expectável com as condições meteorológicas que se verificaram e o grau de preparação que os participantes neste derby já tinham. Deste modo constatou-se que a tempestade geomagnética em nada influenciou a prova realizada de Ermidas para Faro.

http://resultados.columbodromodefaro.pt/pt/derby/2017/10/resultados.aspx

 

Começamos este artigo, dando especial importância ao termo: onde e quando, por ser crucial o conhecimento da previsão da localização dos efeitos das tempestades geomagnéticas. Está provado cientificamente que valores de Índice K superiores a 4 prejudicam a orientação do pombo-correio. Resta-nos então saber aonde e quando é expectável a variação do campo magnético da Terra por influência de uma atividade Solar “anormal”. Os centros mundiais especializados, emitem regularmente alertas, como o que se vê no quadro seguinte, referente ao dia 28 de maio de 2017.

 

Mensagem emitida pela SWPC (NOAA) em 28mai17

 

Código de mensagem do tempo espacial: ALTK07
Número de série: 105
Tempo de emissão: 2017 28 de maio 0420 UTC


ALERTA: índice geomagnético K de 7
Limite atingido: 2017 28 de maio 0419 UTC (05h19 de Portugal continental)


Período sinóptico: 0300-0700 UTC (das 04h00 às 08H00 de Portugal continental)
Aviso ativo: Sim


Escala NOAA: G3 - Forte
As descrições da escala do tempo espacial NOAA podem ser encontradas em
www.swpc.noaa.gov/noaa-scales-explanation


Impactos potenciais: área de impacto principalmente do Pólo até aos 50 graus de latitude geomagnética.


Correntes induzidas - Possíveis irregularidades de tensão do sistema de energia, podem ser acionados falsos alarmes em alguns dispositivos de proteção.


Aerospacial - Os sistemas podem sofrer cargas de superfície; aumento do arrasto em satélites de órbita terrestre baixa e problemas de orientação podem ocorrer.


Navegação - Problemas intermitentes de navegação por satélite (GPS), incluindo perda de bloqueio e aumento do erro de alcance podem ocorrer.

Rádio - rádio HF (alta frequência) pode ser intermitente.


Aurora - Aurora pode ser visto tão baixo como Pensilvânia para Iowa para Oregon.

 

 

No dia 28 de maio de 2017 os alertas emitidos pelo SWPC Space Weather Alerts, (http://www.swpc.noaa.gov/products/alerts-watches-and-warnings) referiam, especificamente que a área de impacto seria a norte dos 50º de latitude e no dia 08 de setembro de 2017, o mesmo Centro referia que a área de impacto seria, também, a norte dos 50º de latitude.

A Península Ibérica, localiza-se, grosso modo, entre os 36º e os 43º de latitude. É a esta latitude que nós soltamos os nossos pombos e não a latitudes acima dos 50º, pelo que estamos fora das zonas de impacto ou de influência das tempestades geomagnéticas, como se provou nos dois exemplos apresentados quer do dia 28 de maio, quer do dia 08 de setembro de 2017. É de crucial importância referir que este estudo, agora apresentado, se realizou no dia 28 com céu geralmente muito nublado por nuvens altas, boa visibilidade e boa luminosidade e no dia 08 de setembro com céu limpo.

Ter atenção, como já referimos em diversos artigos, que quanto maior nebulosidade existir e/ou menor for a luminosidade (ausência de luz”) maior será a dificuldade na deteção do campo magnético da Terra, porque faltando o Sol os pombos irão recorrer-se da bússola magnética e como se sabe, pelos dados cientificamente comprovados, ela passa pela visão. Não havendo coloração azulada os pombos não identificarão o campo magnético da Terra. Quanto mais escuro ou amarelo alaranjado, piores serão as condições de orientação do pombo-correio.

Em situação de céu muito nublado, ou encoberto por nuvens médias e baixas, onde quer a visibilidade quer a luminosidade poderão ser moderadas ou fracas ainda não testámos a relação índice K, solta de pombos-correio, por serem, só por si, condições limites para se efetuar soltas com sucesso. No entanto, estaremos atentos e registaremos todas as conclusões retiradas efetivando, deste modo, uma diminuição do “ruído” sem base científica, no que diz respeito às soltas de pombos-correio, tão prejudicial à columbofilia.

 

Fernando Garrido