Estudos

ESTUDO SOLICITADO PELA ACDBEJA 22/02/2012

 

 

Ex.mo Senhor

Presidente da Associação Columbófila do distrito de Beja

 

Conforme solicitado se dá o parecer técnico tendo única e exclusivamente a qualidade previsível das provas: qualidade de voo e pombos perdidos. “As entradas dos pombos no distrito”, “arrastamentos”, “tempo que se dá”, “tempo que se recebe” e outras frases habituais para justificar o que quer que seja não será referido neste parecer.

 

O distrito de Beja é extremamente longo pelo que se houvesse uma distribuição homogénea de columbófilos por quilómetro quadrado o ideal seria provas de Norte e Sul. Não sendo assim e sabendo que para se fazer provas de Fundo se terá que voar no “triângulo” Norte-Este (N, Ne ou E) teremos que optar pelas melhores e mais rápidas “auto-vias” para minimizar os custos, tempo de viagem e acima de tudo o conforto e bem-estar animal. Na linha “Norte-Este” teremos que ter em atenção a orografia (regiões montanhosas), os locais de maior e menor temperatura, assim como os de maior precipitação.

O Vento, não sendo referenciado neste parecer para definir as rotas não pode ser negligenciado nos dias das soltas quaisquer que elas sejam, sendo nas provas de Meio-fundo longas e Fundo onde se nota uma maior influência negativa nos resultados. Qualquer que seja a rota, ele será sempre factor fundamental. Tem-se verificado que o vento, só por si, fruto do conhecimento empírico dos coordenadores, não tem sido causa de grandes acidentes.

 Planear e organizar um calendário desportivo para soltas de pombos-correio deve, antes de mais, respeitar o princípio do reconhecimento da rota. Vários são os autores que defendem a manutenção de linhas tradicionais para evitar a perca elevada de pombos, porque existe reconhecimento dos locais onde o pombo passa normalmente. Independentemente da prática desportiva e dos defensores das provas em leque, o que está aqui em causa não são esses princípios mas sim a manutenção deles ou mudanças progressivas. As percas diminuem com a habituação das rotas, pelo que os calendários devem ser estudados de modo a serem mantidos por vários anos, normalmente a vida útil em competição de um pombo: em norma quatro a cinco anos. As alterações repentinas nas linhas de voo devem ser efectuadas começando pelos pombos jovens criando, nestes, um novo hábito e selecção para uma nova rota. Todos os columbófilos com experiência sabem ou têm conhecimento que existem “famílias de pombos” que se adaptam melhor a uma linha de voo do que a outra.

Por mais que queiramos, existem elementos climáticos (vento, temperatura, precipitação etc.) e factores climáticos (vales, montanhas, etc.), que além de trazerem dificuldades ao voo quase em linha recta, limitam as entradas dos pombos em cada distrito. Estes últimos factores são de grande relevância por serem fixos quer no espaço quer no tempo. Inventar calendários para minimizar um problema, que é do conhecimento geral, pode trazer mais desvantagens do que vantagens. É preferível a criação de “zonas artificias” do que sacrificar os restantes columbófilos com novas rotas para tentar solucionar o insolucionável.

A marcação de locais de solta com o bico do lápis num mapa bidimensional, não se justifica nem são bom prenúncio. Quem decide onde soltar deve, além de conhecer muito bem cada local, ter conhecimento da orografia Ibérica e da climatologia. A título de exemplo pode-se dizer que locais de solta no sopé das montanhas do lado contrário aos pombais não são aceitáveis pelas dificuldades que trazem quando existem complicações meteorológicas. Nesta situação é preferível reduzir alguns quilómetros e efectuar a solta na vertente virada ao local de chegada ou aumentar alguns quilómetros e distanciar-se da montanha. Locais de solta junto a zonas húmidas em dias de vento calmo e arrefecimento nocturno trazem problemas com o nevoeiro. Nesta situação é necessário existir um “plano B” com local alternativo para efectuar a solta. A falta de alternativas dos locais de solta tem sido, nos últimos anos, uma constante, complicando as provas quando poderia ser evitado com o estudo e reconhecimento dos locais onde se vai soltar. Por outro lado, soltar o mais alto possível nos dias quentes do final da campanha só traz vantagens pela diminuição da temperatura e por se estar a reduzir a espessura das inversões térmicas, ficando deste modo mais próximo dos elementos necessários à navegação.

Não se deve programar soltas em locais onde a climatologia nos indica que normalmente existem nuvens baixas e precipitação em regiões montanhosas, normalmente a periferia Noroeste, Norte e Nordeste da Península Ibérica. Caso se marque, e a marcar, deverá ser o mais avançado na campanha possível, acompanhando a evolução do tempo e retirar os pombos para lugar seguro, mais para o interior e mais alto, sempre que sejam previsíveis condições meteorológicas adversas (neblina e nevoeiro).

A marcação de locais de solta e horários do encestamento respectivo é de crucial importância pois, o descanso após cada viagem é elemento fundamental a ter em conta e que normalmente não nos preocupamos com ele. É obrigatório e está previsto no Regulamento Desportivo Nacional. A ausência do descanso incrementa exponencialmente as dificuldades para transpor as adversidades meteorológicas. Verifica-se que normalmente as provas de Meio-Fundo correm pior que os Fundos perante o mesmo grau de dificuldade, concluindo-se que a falta de descanso está nessa base e, também, pela presença de muitos pombos novos.

Outro elemento a ter em atenção é a quantidade de quilómetros que os carros fazem e o tempo que demoram a percorrê-los para chegar ao local de solta. Face a este reparo deve-se estudar as novas e rápidas vias de comunicação e soltar junto destas porque apresentam várias vantagens, entre as quais: a qualidade do transporte e a diminuição dos custos operacionais. Tem-se vindo a assistir à marcação de locais de solta em que os carros fazem 100/200 quilómetros ou mais, para, em linha de voo, ter a mesma distância ou uma diferença insignificante. Não basta marcar locais de solta, há que se estudar, racionalizar e implementar medidas que irão fazer diminuir o preço por pombo, aumentar a qualidade do transporte e o bem-estar animal. Poderá ser de extrema importância na deslocação para o plano B (mudança de local devido a “mau tempo”).

Nos dias que correm cada cêntimo a menos poderá reflectir um columbófilo amais amanhã.

 Relembremos os desastres do Porto quando voltou a voar a linha Leste para satisfazer a vontade de alguns columbófilos “fazedores de opinião” em que em duas provas consecutivas da linha de Saragoça para o Porto se perdeu (definitivamente) mais de 50% dos pombos enviados. Relembremos os acidentes do ano transacto com o distrito de Braga com a mudança drástica a Leste em que nas duas primeiras provas na linha de Saragoça-Braga se perdeu (definitivamente), também, mais de 50% dos pombos. Os anos vão passando e voltamos a cometer os mesmos erros, sempre para satisfazer ou não contrariar “os fazedores de opinião” ou por ventura os que “gritam mais alto”. O mudar só para experimentar com base científica, aceita-se, pela envolvência e cuidados que estão previstos quando se fala em ciência. Mudar só para experimentar se ganhamos desta ou daquela zona é de todo inaceitável.

Na elaboração de um calendário nunca nos poderemos esquecer que o segredo na diminuição do número de pombos perdidos está na habituação deste à rota e ao reconhecimento desta. As mudanças ao longo da campanha deverão ser progressivas e voar os fundos nas linhas de algumas velocidades e meios fundos.

 

Abordagem orográfica

Olhando atentamente para os dois mapas expostos lado a lado, verificamos que existem várias zonas montanhosas a evitar nas linhas de voo porque em situações de “mau tempo” para o voo este tende a permanecer durante mais tempo junto às regiões montanhosas, a visibilidade torna-se mais reduzida e verifica-se maior precipitação.

1 – Linha de Beja-Ciudade Real-Albacete/Requena

2 – Linha de Beja – Madrid -Saragoça

3 – Linha de Beja-Cáceres-Leon/Burgos

 

  

Abordagem térmica

 

Temperatura média do ar em Março

 

Temperatura média do ar em Abril

 

Temperatura média do ar em Maio

 

Temperatura média do ar em Junho

 

 

 

Olhando atentamente para os mapas expostos lado a lado e analisando unicamente as temperaturas, verificamos que existem:

a) Zonas de temperaturas baixas (Março e Abril) a evitar nas linhas de voo porque em situações de “mau tempo” e de vento de bico o voo tende a além de lento, muito “complicado”.

b) Zonas de temperaturas elevadas (Maio e Junho) que complicam o transporte e o voo dos pombos, sendo, por isso de evitar, especialmente em finais de Junho.

 

   

Abordagem Pluviométrica

 

Precipitação média em Março

Precipitação média em Abril

Precipitação média em Maio

 

 

Precipitação média em Junho

Olhando atentamente para os mapas expostos lado a lado e analisando unicamente a precipitação, verificamos que existem:

a) Zonas de elevada precipitação (Março) precipitação associada a superfícies frontais e quase coincidentes com as regiões montanhosas.

b) Zonas de precipitação elevada (Abril e Maio) precipitação de massa de ar (aguaceiros/trovoadas) e precipitação associada a superfícies frontais pelo que observarmos uma maior área não diferenciada de precipitação. Saliente-se que a precipitação mais elevada continua a coincidir com as regiões mais montanhosas.

 

Abordagem quanto à Classificação Climática

 

CLIMA OCEÂNICO: Característico do norte da Espanha, muitas vezes chamada "Espanha verde", a área afectada por este tipo de clima começa para o oeste dos Pirinéus até chegar à costa da Galiza. O clima é caracterizado por invernos relativamente suaves e verões quentes, mas não abafados, as chuvas são muito abundantes e distribuídas ao longo do ano.

CLIMA CONTINENTAL: O clima dessas áreas é caracterizado por importantes diferenças de temperatura entre ambos dia e noite e entre as diferentes épocas do ano, este clima è também caracterizado por chuvas irregulares e pobres, com médias anuais entre 300 mm e 600 mm. A zona norte da Meseta e da bacia do rio Ebro tem duas estações chuvosas, a relativamente mais intensa entre Abril e Junho e segunda entre outubro e novembro. Também a zona sul da Meseta tem duas estações chuvosas, mas invertidas, pois o período chuvoso é o Outono, enquanto outro curto período de chuvas é em Março. A Meseta e as regiões central de Espanha tem um clima continental, que tem verões muito quentes, com temperaturas extremas e secura do ar, e invernos são frios, ventosos e com geadas frequentes. Nas montanhas durante o inverno neve em abundância. No verão as temperaturas sofrem grandes mudanças entre o dia e a noite, que vai 30/40°C durante o dia e 10°C à noite.

CLIMA MEDITERRÂNICO: O clima na área mediterrânica de Espanha, estende-se ao longo da costa sul dos Pirenéus até à Andaluzia. A zona mediterrânica goza invernos suaves, verões longos e secos, Outonos chuvosos e belas primaveras, geralmente uma brisa do mar reduz o calor do verão, enquanto o extremo sul é afectado durante o verão por ventos quentes provenientes do norte da África. As temperaturas médias do inverno ao longo da costa estão em torno de 10/13°C, enquanto nas zonas interiores da Andaluzia são alguns graus mais baixos. Entre o final da Primavera e o início do Outono as temperaturas médias estão em torno de 22/27°C ao longo da costa e 29/31°C nas zonas interiores.  As temperaturas máximas mais elevadas verificam-se nestas regiões

Clima árido.- Situa-se a Sul da franja mediterrânea. Chove muito pouco como resultado de uma maior frequência de situações anticiclónicas que no resto do mediterrâneo. Abordagem climática baseada em: (http://www.colonialvoyage.com)

 

  

Conclusão:

Analisando a orografia e a climatologia da Península Ibérica, verifica-se que a abordagem orográfica, é, de uma maneira geral, aquela que se enquadra, por ser também condicionadora dos elementos meteorológicos e/ou climáticos. Sabendo que o princípio do reconhecimento da rota é fundamental para uma diminuição de pombos nas provas deverá ser escolhida duas rotas das três apresentadas, sendo natural a escolha da rota 1 e 2 por ser aquela em que se tem voado nos últimos anos, onde existe habituação e o leque é menor ou, então, ser estudado um calendário com mudanças progressivas começando a Este e acabando a Norte, utilizando as três rotas, fugindo, deste modo, às temperaturas extremas da Andaluzia e soltando mais alto, o que trás vantagens, nos dias de inversão térmica típica dos finais da Primavera. O distrito de Faro tem utilizado a Meseta Central para efectuar as soltas, depois de Abril, com resultados positivos. As mudanças da rota 1 para 2 e 3 deverão ser sempre precedidas por provas de Velocidade, Meio-Fundo e só depois as provas de Fundo na respectiva rota. Começar a Este tem a vantagem de aí ser, no início da campanha, a localização de menor precipitação e maior temperatura.

Porquê recomendar rotas que não colidam com o clima de Montanha? Com o apoio meteorológico, qualquer que ele seja, e com os dados disponíveis na Internet, pode-se verificar com rigor, nos dias de hoje, os locais de precipitação e a previsão desta a curto prazo.

As situações, meteorológicas significativas mais prejudiciais ao voo, de uma forma geral acontecem junto ou próximo dos sistemas montanhosos. Os últimos grandes acidentes, em columbofilia, Almansa-Leiria-2003, Saragoça-Porto-2004, Vitória-Faro-2005, Requena-Aveiro16JUN07 / La muela-Braga16JUN07 / Saragoça-Viana-16JUN07, La Muela-Braga 2011 aconteceram com precipitação abundante no 1º terço das provas em regiões montanhosas.

Contrariamente ao desastre de 28MAI2006, do Algarve, Alentejo e Lisboa para Braga, Porto, Aveiro e Viana do Castelo os distritos que soltaram a Norte (mais Alto – de 200m (distritos que soltaram a Sul) para 750m (distritos que soltaram a Norte)) não tiveram desastres, pelo que o factor altitude veio a demonstrar que em situações de temperatura elevada generalizada na Península Ibérica e/ou inversões térmicas é de crucial importância.

 

Linhas de voo recomendadas:

1- Linha de Beja-Ciudade Real-Albacete/Requena. Utilizada pela generalidade dos distritos do Centro/Sul, com excepção de Faro sem grandes problemas no Fundo mas com provas de Meio-Fundo que provocaram alguns incidentes na rota de Ciudade Real em especial em dias de frio, céu nublado e “vento de Bico”. Meses de Março e Abril.

 

2- Linha de Beja–Madrid–Saragoça. Utilizada com sucesso por Setúbal, Lisboa, Santarém, Portalegre e Évora: quando o “mau tempo” está de Oeste a rota fica abrigada pela cordilheira Central. Quando, em situações de instabilidade de massa de ar o “mau tempo” vem de Sul está protegida pelos montes de Toledo e Meseta Central. Meses de Abril/Maio e Junho.

 

3- Linha de Beja-Cáceres-Leon/Burgos. Linha tradicional do distrito de Faro e que, nos últimos anos, não tem dado problemas, fruto de uma coordenação meteorológica que tem providenciado mais as soltas a norte que nordeste (em situações de precipitação), não cruzando, deste modo, o sistema montanhoso central. Meses de Maio e Junho.

 

As soltas deverão começar primariamente a Este e estenderem-se progressivamente a Norte, caso se utilizem as três rotas, ou duas, deverá começar-se sempre por aquela que for mais a sul, tendo o cuidado de não ultrapassar a linha de Cáceres-Toledo demasiado cedo (Março-Abril), evitando, deste modo as baixas temperaturas, nebulosidade e precipitação nas regiões montanhosas.

Começar na rota mais a Sul, (Este neste caso) justifica-se pela planície, temperatura e uma menor ocorrência de precipitação. O acabar a campanha mais a Norte justifica-se pela altitude e diminuição de temperatura nos meses quentes.

Qualquer rota indicada poderá cair em desgraça por um erro na coordenação da solta.

As opções indicadas basearam-se nos dados climáticos, orográficos e estudos efectuados no acompanhamento das soltas dos distritos de Portugal continental nos últimos dez anos.

 

 

O responsável pelo parecer técnico

 

Fernando Manuel Duarte Garrido

Columbófilo desde 1976;

Técnico de Meteorologia desde 1981;

Meteorologista assistente da FPC de 2002 a 2009;

Meteorologista assistente às soltas das associações de Faro, Setúbal, Lisboa, Leiria, Santarém e Viana do Castelo de 2010 a 2011;

Meteorologista assistente às soltas das associações de Faro, Setúbal, Lisboa, Leiria, Santarém, Viana do Castelo, Braga e Coordenador de Coimbra em 2012.

 

Gráficos: Fonte Instituto de Meteorologia de Portugal